Na busca pela felicidade, muitas vezes mantemos uma jornada complexa e tumultuada, almejando momentos de alegria e satisfação. Contudo, Norberto Bobbio (1909-2004), renomado filósofo italiano, ofereceu uma perspectiva enriquecedora ao introduzir o conceito de “mitezza” em nossa reflexão sobre a vida. Essa palavra, peculiar à língua italiana e derivada do latim, remete à ideia de serenidade, embora sua tradução não capture plenamente sua essência.
Bobbio argumentou que a mitezza transcende a mera ausência de perturbação ou agitação. Representa, ao invés disso, um estado de equilíbrio e tranquilidade interior, no qual a mente permanece calma e imperturbável, inclusive frente a desafios e adversidades. Essa qualidade nos permite navegar nas vicissitudes da vida com paz e clareza de pensamento em quaisquer circunstâncias.
Surge então um questionamento fundamental: seria possível a conquista da felicidade como um estado mental perene? Diversos pensadores, como o filósofo francês Luc Ferry, defendem que a felicidade é por natureza efêmera e mutável. Ferry pontua:
– A felicidade, enquanto tal, não se sustenta. Experimentamos momentos de alegria, mas não alcançamos um estado contínuo de contentamento. Desilusões, perda de entes queridos, enfermidades e infortúnios são inevitáveis. Portanto, a procura por uma felicidade plena é, em essência, uma quimera.
Ferry postula que a incessante busca pela felicidade pode se revelar uma jornada frustrante e ilusória. Em contrapartida, ele sugere que a serenidade se apresenta como uma meta mais realista e duradoura. Em vez de buscar um estado permanente de êxtase ou euforia, deveríamos nos dedicar a cultivar a serenidade, uma fundação estável para nossa evolução emocional. Diferente da felicidade, frequentemente fugaz e dependente de circunstâncias externas, a serenidade é um atributo interno que podemos fomentar e desenvolver de maneira autônoma.
O psicanalista Contardo Calligaris (1948-2021) expressava certo desdém pela palavra “felicidade”, considerando-a uma ilusão, muitas vezes fomentada por estratégias mercadológicas. Para ele, o segredo do bem-estar reside em levar uma vida plena e interessante, desvinculando-se de ideais de felicidade por vezes simplistas e ingênuos.
Estratégias para uma vida plena
Polêmica à parte, como podemos então nutrir tanto a serenidade quanto a felicidade em nosso cotidiano? Especialistas propõem algumas estratégias valiosas:
Superar o medo: Luc Ferry destaca que uma premissa fundamental para alcançar a serenidade é superar o medo, uma prática também valorizada pelos filósofos gregos da antiguidade, para quem a sabedoria reside na superação das próprias inseguranças.
Cultivar relações significativas: Estabelecer e manter relações profundas e significativas fornece apoio emocional e fomenta um “senso de pertencimento”, elementos cruciais tanto para a felicidade quanto para a serenidade.
Praticar mindfulness e meditação: A ciência demonstra que a prática contínua de mindfulness e meditação pode cultivar tanto a serenidade quanto a felicidade. Essas práticas promovem a atenção plena, ajudando a diminuir o estresse e a fomentar uma paz interior sustentável.
Manter uma rotina regular de exercícios físicos: A atividade física regular não beneficia apenas a saúde física, mas também a mental. Libera endorfinas, neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar, contribuindo assim para a sensação de felicidade. Além disso, exercitar-se pode reduzir a ansiedade e promover um estado de serenidade duradouro.
Praticar a gratidão e manter uma atitude positiva: A adoção de uma perspectiva grata e positiva pode transformar nossa visão de mundo, impulsionando a felicidade e fortalecendo os laços comunitários e interpessoais. Pesquisas indicam que a gratidão está diretamente ligada a um maior bem-estar emocional e satisfação com a vida.
Além das evidências
Expandindo essa discussão, é pertinente mencionar as contribuições de Martin Seligman, um dos fundadores da psicologia positiva, que propõe um modelo de bem-estar baseado em cinco pilares: emoções positivas, engajamento, relacionamentos, propósito e realização (PERMA). Segundo Seligman, a felicidade deriva da combinação desses elementos, sugerindo que o bem-estar emocional pode ser alcançado através de uma vida que nutra esses aspectos fundamentais.
Além disso, a neurociência oferece insights sobre como o cérebro processa emoções positivas e negativas, reforçando a ideia de que podemos treinar nossa mente para enfatizar experiências e emoções positivas.
Pesquisas neste campo têm demonstrado que práticas como a meditação podem literalmente alterar a estrutura do cérebro, aumentando a densidade de matéria cinzenta em áreas associadas à atenção, à autoconsciência e à regulação emocional.
Uma pesquisa liderada por uma equipe da Universidade de Harvard, associada ao Massachusetts General Hospital, documentou, pela primeira vez, como a meditação mindfulness produziu mudanças significativas na matéria cinzenta do cérebro.
Os participantes de um programa de oito semanas mostraram um aumento na densidade da matéria cinzenta no hipocampo, parte do cérebro associada à autoconsciência, compaixão e introspecção. Além disso, houve uma correlação entre a redução do estresse reportada pelos participantes e a diminuição da densidade da matéria cinzenta na amígdala, conhecida por seu papel na ansiedade e no estresse (Women’s Brain Health Initiative).
Outro estudo, mencionado em ScienceDaily, apoiado pelo National Institutes of Health, a British Broadcasting Company e o Mind and Life Institute, corroborou esses achados, destacando que a prática de mindfulness não apenas reduziu a experiência subjetiva de estresse, mas também correspondeu a mudanças estruturais na amígdala.
Isso abre portas para pesquisas futuras sobre o potencial da Meditação Baseada em Mindfulness (MBSR) para proteger contra distúrbios relacionados ao estresse, como o transtorno de estresse pós-traumático (PTSD) (ScienceDaily).
Essas descobertas são significativas porque sugerem que a prática regular de meditação pode ter efeitos profundos e mensuráveis na estrutura do cérebro, contribuindo para o bem-estar e a qualidade de vida, além de oferecer uma nova compreensão sobre como a meditação pode impactar positivamente a saúde mental e física.
Em resumo…
Se a busca pela felicidade pode parecer uma jornada sem fim, marcada por altos e baixos, a serenidade oferece um refúgio estável, um porto seguro no meio da tempestade. Adotar práticas que promovam tanto a felicidade quanto a serenidade pode nos guiar a uma vida mais plena e equilibrada, em que momentos de alegria e contentamento são apreciados como partes de um todo maior, enraizado na paz e na clareza interior.
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2. Em busca da felicidade: um “mapa rodoviário” para a jornada da vida.
Respostas de 2
Parabéns pela excelente matéria. A busca da serenidade deve ser diuturna, sem estresse.
Obrigado!